quinta-feira, 17 de maio de 2012

O espelho da individualidade

A instância do individual floresce no delinear-se do princípio puro de autonomia e de coragem em relação à esfera determinada da dialética e das razões sencientes. A formação do conhecimento passa sim através do momento dialético, mas já distingue uma virtude criadora que se desvincula de qualquer necessidade refletida nela. Um tal redimir-se da consciência floresce como pura vida em um perene ímpeto da vontade.
A prova é a superação absoluta do elemento pessoal-egóico; o asceta verdadeiro é aquele que se dá a regra por si mesmo, mesmo em um mundo onde não exista mais nenhuma regra. O ato é a forma volitiva da Luz, é o caminho é a vontade que faz de si mesma um poder de doação ilimitado. A celebração de um tal mistério é o começo da re-ascensão, a dissolução da milenar imbricação da alma com a animalidade humana: é a alvorada depois das trevas sem tempo, sempre reaparecida. O mondo objetivo cessa de ser o espelho da eventual personalidade; o Eu surge como chama que faz de todo o seu ser o arder inexaurível até o Guardião do Limiar. O corpo ressurge, porém não mais substanciado pela animalidade humanizada, mesmo se tornada luminosa pelo éter, mas como um ato volitivo de liberdade e Amor. É o poder oculto do Graal para esta re-ascensão, que é em verdade Ressurreição .
O mundo objetivo então assume o papel de espelho da nascente individualidade: Cada ser revela a causa metafísica que o impeliu para a criação, assim a soma das coisas e dos seres criados se torna para o Eu matéria do seu erigir-se e reconhecer-se como centro de origem de tudo.
A forma como se apresenta o ser não constitui um estado de fato irreversível, mas algo de contingente, de transmutável continuamente, dependente do Eu. É necessário superar a instância provisória do ser mediante o qual aparece o mundo.
A absoluta independência desagrega a unidade provisória do real para recriá-la sob o seu signo: a exigência profunda do individual se afirma no contrapor-se do movimento puro da vontade e de liberdade ao mundo fenomênico.
Tudo isto que aparenta possuir em si um fundamento, na realidade tem em mim um fundamento que eu suponho. Não existe uma realidade que seja independente fora de mim, porque esta independência eu a concebo e lhe dou valor. Se eu reconheço que alguma coisa não depende de mim, então reconheço que depende do outro, não porque as coisas sejam realmente assim, mas porque a segunda possibilidade é o desenvolvimento lógico da primeira: se uma coisa não depende de mim, eu dependo dela, porque me falta o poder através do qual ela surge diante de mim como algo existente. A tarefa é cumprir aquilo que se apresenta como privação, mal, insuficiência: preencher os abismos do não-ser, superar as divergências humanas.
De uma carta para um aluno, setembro de 1974

Massimo Scaligero

O original em italiano encontra-se em:
“l’Archetipo” - set 2007

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